- Oi é breca de boi".
Eu nunca entendi muito bem o que isso significava, mas essa sempre foi a resposta do meu vô para um "oi" ao telefone. Breca de boi? Que raio de coisa é essa? Breca de "levado" ou breca do verbo "brecar", parar? E o que isso tem a ver com boi? Socorro... Muito para a cabeça de uma criança, que corria para o telefone quando a mãe dizia "Vem falar com seu avô, menina. Anda logo que é interurbano!". E que nunca deixou de rir quando ele dizia do outro lado "breca de boi", mesmo não conhecendo seu significado. Ele falava de um jeito tão gostoso que parecia algo divertido. A questão é que eu sempre achei graça nesse nosso "alô”. Não dá pra negar.
Com o tempo, eu cresci e descobri que o "breca", na realidade, era "breque". O que não mudou muita coisa. “Oi, breque de boi”? Pelo menos rima, ok. Alguma outra sugestão? E não venha dizer que deve ter a ver com a cultura de Minas (carioca sempre sai com essa piadinha diante do que não conhece). Nada disso! Meu vô é de Baltazar, Rio de Janeiro - a "cidade eterna" como ele mesmo gosta de chamar. Que eu também não sei porque é eterna, mas há de se ter respeito. Ele enche a boca de tal maneira para falar do lugar, que eu até acho que conseguiria descrever a praça, a igreja, as ruas... E olha que eu nunca fui! Quer dizer, não que minha memória tenha registrado. E nem vi fotos! O mais perto que cheguei de Baltazar foi descobrir em uma conversa que os avôs de dois amigos também são de lá. Mas eu não os conheço. Taí... Acho que Baltazar é uma cidade de avôs. Por isso é eterna.
Enfim, ele nunca me explicou o porquê do breque de boi. E olha que, quando mais nova, eu cheguei a perguntar! A reação? Uma risada gostosa de um senhor que, diante dos meus olhos infantis, tinha um quê de Papai Noel com sua barriga pomposa, cabelo branco e a barba mais branca ainda. O suficiente para eu aceitar um sorriso como resposta! Afinal, vamos combinar, eu tinha ali o bom velhinho só pra mim! Isso já me bastava. Na verdade, acho que bastaria para qualquer criança.
E com os meus primos, com a minha irmã, não foi diferente. Até porque eu aceitei dividir, na boa, a atenção do Seu Aylton. Aylton... Nome bom de vô, não? Dá uma imponência ao integrante mais velho dos Oliveiras. O que ele adora! Aceitei dividir o vô e o “breque de boi”. Era dele, sabe? Como ensinar os netos a comer requeijão na colher, a cobrar beijos e fazer questão de dar a benção, a dar leves beliscões, a trazer frutas para os netos (mesmo que um deles tenha rejeitado por completo essa opção de vida), a fazer a vontade daquelas pequenas criaturas, que de certa forma saíram um pouco dele. Coisas de vô... Que variam de acordo com a família, de acordo com a casa, mas estão sempre ali.
Vô e não “avô”, como a maioria gosta de chamar. “Avô”... Tá bom... Muito formal para uma pessoa que merece mais é ser agarrado sem cerimônia nenhuma! Até porque eles amam isso! Mesmo os mais ranzinzas não conseguem recusar um carinho. E aqueles que se fazem de durão, no fundo são os donos do coração mais mole de que se tem notícia.
Vô... Todo mundo tem ou teve, com certeza, algum ser desta espécie cheio de manias e atitudes únicas com seus netos. Um ser bom de abraçar, que carrega experiência quando te olha e outras características que já não mudam. Afinal, o tempo costuma ter prazo para alterar traços da personalidade. Ou indo mais além: acentua tais traços. E nem sempre as pessoas têm paciência ou disposição para entender. Acontece com o meu vô, com o seu vô, com você. Ou seja, acontece com o tempo...
A saúde então? Não há corpo que agüente. Apesar de ser formado por milhões de elementos, de todas as patentes, pode cansar. São muitos anos trabalhando da mesma maneira. Ô se cansa... Ainda mais se o coração, em um dia de mau-humor, resolve brigar com o pulmão. Os dois chefões de um batalhão que sem ordens pode ficar perdido. E ainda dar susto em quem está de fora da história. Ou então, pior, fazer com que a minha ligação pare em um hospital, como foi nessa última semana. “Oi”, eu disse após o alô do outro lado. “Oi é breque de boi”, seguido de uma tosse foi a resposta. Eu tive que rir... E ri com vontade. Como era bom ouvir aquela frase... Tem certas coisas que, realmente, o tempo não muda. E essas costumam ser as melhores.
E assim a semana passou. Com outras ligações, visitas e muitas outras ligações. Até que o coração resolveu fazer as pazes com o pulmão, que por sua vez se sentiu mais forte para seguir em frente: para mais um aniversário ao lado da família, mais um Natal. Longe de nebulizações, hospital e exames. Perto dos netos, que mais do que nunca, esperaram dessa vez o Papai Noel. O velhinho que sempre foi só deles. De mais ninguém.
“Ô”, eu ainda pude ouvir antes da ceia. E foi aí que eu entendi. A palavra verdadeira nunca foi “Oi” e esteve o tempo inteiro na minha cara. Morei em cidade pequena e cansei de ver várias carroças sendo paradas no grito. “Ô”! E os animais sendo puxados para trás. O famoso “breque de boi”. Como pude ser tão relapsa... Custei, mas entendi ao ouvir na porta daqui de casa. O fato é que dessa vez, eu tenho certeza, que não parou uma carroça, mas um trenó vermelho guiado por renas, seguido por um sonoro “ho ho ho”. Passou aqui, parou e deixou um grande presente para os Oliveiras. Ah deixou...
(Um Natal para vocês tão especial quanto foi o meu...)
3 comentários:
Hum....
ô...breque de boi! rsrsrs
Fico feliz por seu avô...ou melhor, "vô" ter estado com vocês nesse Natal.
Eu moro com meus avós, mãe,...tudo junto...(uma delícia).
Vovó foi pro RIO rever alguns parentes. Estou morrendo de saudades.
To indo pra lá no Domingo.
Não fá pra romper meu cordão umbilical...rsrs
Beijão, e um ótimo 2008.
Coisa mais linda de post, meu Deus!
lindo nessa... lindo...
tou choraminguenta aqui (como boa oliveira, não é?) por isso não comento muito mais...
e sim, heheh, vô noel só a gente tem... :)
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