O que se pode esperar de um carro parado na rua? Bom, depende do ponto de vista de quem analisa a situação. Para Dona Maria, um automóvel estacionado em sua rua (que é sem saída, diga-se de passagem), com placa de Niterói, e o adesivo “Proibida a circulação”, no mínimo, é algo suspeito. Até porque ela mora no interior de Minas Gerais. Como assim um carro de Niterói?
Antes de tudo, vale falar sobre Dona Maria. No auge dos seus 53 anos, ela é uma cinqüentona enxuta. Aquela “nova geração” que chega aos 50 como se estivesse começando a vida. Com pique para fazer um pouco de tudo: ginástica, trabalho, ponto cruz, bijouterias, cuidar dos filhos, do marido, da casa, do periquito, do papagaio e por aí vai. Mulher danada, essa! É o exemplo real de como a expectativa de vida do brasileiro tem aumentado com o decorrer dos anos. O que ninguém sabe, no entanto (e que está sendo revelado neste exato momento), é que ela, além dos seus afazeres rotineiros, ainda tem tempo para combater a violência e o crime em sua cidade. Sim, meu amigo... Ela é uma dessas justiceiras da modernidade. Vide “As Panteras”. Ok, elas são mais novas e dão saltos mortais. Dona Maria teria problemas sérios com a coluna se arriscasse um pulinho daqueles! Mas ela faz a sua parte. Tudo bem que lá em Cachoeirinha de Ypioca não acontece muita coisa, mas mesmo assim ela tem fé (Dona Maria preza pela religião apesar de não ser nenhuma beata). Isso mesmo: fé de que um dia conseguirá prender alguém da estirpe do “Bandido da Luz Vermelha”. Com direito a virar filme para a posteridade! Dona Maria pensa grande! Tá pensando o quê? Osama Bin Laden, não. De bomba ela tem medo e acha esse terrorismo muito evoluído para a sua cabeça. Enfim, esta é Dona Maria. Voltemos ao caso do carro parado na rua sem saída.
Sua primeira providência foi descer do alto de seu 7º andar para anotar a placa do veículo. E veja só, que coincidência! O porteiro do prédio do lado estava justamente... na portaria! Perfeito! Lógico que ela iria aproveitar a oportunidade para perguntar: “é visita de alguém daí?”. Afinal, pelo seu elevador o motorista do carro não tinha passado. Poderia ter ido para o elevador do outro. Assim, o caso estaria resolvido sem muitos esforços. No entanto, não era amigo, parente ou conhecido do vizinho do lado direito. Infelizmente. A única coisa que o porteiro soube dizer foi: “Era um cara alto. Saiu do carro e o abandonou. Não voltou mais”. Suspeito... Aliás, suspeitíssimo! Foi logo o primeiro pensamento de Dona Maria.
Mais que depressa, ela então voltou para seu apartamento e recrutou a filha mais nova. Missão: checar a placa no Detran. E rápido! Antes que o homem voltasse e fugisse com o carro. Fugisse? Mas de quem? Ela não sabia. Só tinha a certeza de que seu faro não a enganava. O dado precisava ser verificado. A filha não entendeu muito bem a necessidade da mãe de descobrir quem era o dono do carro, mas resolveu acatar a ordem. Era filha, né? Tem hora que é perda de tempo tentar discutir. Ainda mais com um superior imediato de tal patente! Enquanto isso, Dona Maria, na varanda, ficou à espreita da cena do crime. Crime? Estava com o telefone na mão, pronta para ligar para a polícia após o “ok” da menina.
Espera, espera e... nada! “Computador lento”, pensa ela. Espera, espera e... nada! Resolve então ligar para seu marido, que já devia ter chegado em casa. “Amor, cuidado ao entrar na rua. Olhe bem para o rosto das pessoas. A gente nunca sabe quando será necessário fazer um retrato-falado. E se proteja, viu?”. Ele também não entendeu o porquê daquela recomendação, mas decidiu não insistir no fato. “Tudo bem, tudo bem...”. Sabe como é, “na saúde e na doença, na alegria, na tristeza e na doidera até que a morte os separe!”.
E Dona Maria lá: estática na varanda, com a cortina um pouco na cara para também não ficar muito a vista do suspeito. Ela sabia se proteger! Espera, espera e... “Mãe!”, grita a garota. Os olhos de Dona Maria não podiam acreditar. Era chegado o grande momento. Telefone ligado e dedos a postos, pronto para discarem os números. “Fale, minha filha! O que você descobriu?”, responde ela da varanda. Silêncio... Silêncio... “Ei! Me ouviu?”, berra ela mais alto. “Minha filha anda meio surda. Não é possível”, pensa ela. Silêncio... Silêncio... “Tá limpo, mãe! Tá limpo!”, responde a menina para a frustração da mãe.
Dona Maria então desliga o telefone ainda incrédula. Não se move. Está decepcionada e seu rosto mostra isso. “Dessa vez, ele escapou!”, pensa. Fica parada durante alguns minutos tentando acreditar na inocência do sujeito. Refletindo sobre o acontecido e outras estratégias para o caso. “Ainda pego esse cara!”, diz para si mesma com o punho cerrado em um gesto de justiça. Nas novelas, os mocinhos sempre fazem isso. Já viu? Se você nunca viu, azar o seu! Dona Maria viu! O fato é que ela resolve, por fim, partir para sua cadeira favorita. Pega o pano azul, que estava jogado no chão, a agulha com linha branca, que estava presa em sua blusa, e retoma seu bordado. Até que o crime a faça voltar às ruas (ou à varanda), novamente.
Aguardem! Em breve: Novas aventuras de Dona Maria.
3 comentários:
depois o pirado sou eu.
agora, me lembrou a Vanda, igualzinho!
se, por acaso, parar um gol "bolinha" da cor vinho, pode denunciar...
os "pilotos" desse tipo de carro sao sujeitos perigosos.
baahhh... Dona Maria ja deve saber disso... Dona Maria sabe tudo!!!
:)
Bjo proce
Dona Maria, sim, é bem modernosa. E mostra uma das características dos modernosos: paranóia. hahahaha
Eu a compreendo. Afinal, eu sofri um seqüestro relâmpago, né? Tenho a mania de esquadrinhar a vizinhança antes de entrar no meu carro; quando entro, já fecho tudo e ligo o motor, não fico dando bobeira conversando.
Tem algo ainda mais paranóico da minha parte: andar rápido demais, extremamente atenta e com a bolsa junto ao corpo. Você sabe disso: você viu como eu me comportei quando a gente saiu do metrô aquele dia, na Cinelândia.
Pois é... Se Dona Maria quiser uns conselhos, eis-me aqui...
:)
Beijo!
Postar um comentário